As motivações que nos definem enquanto jogadores
Ameritrash ou Euro? Party game ou estratégia pesada? Civilization ou GTA? As respostas a essas e outras perguntas definem o perfil de um jogador. Quando o Tabuleiros da Zona Oeste começou lá em 2012, eu ainda não conhecia bem o meu perfil de jogador e muito menos o do meu grupo de amigos. Eu comprava jogos de todos os tipos e tudo era novo e interessante, mas com o tempo começaram a se estabelecer alguns filtros e preferências.
O primeiro jogo que jogamos foi o Descent segunda edição, jogo super temático de aventura em um mundo de fantasia cuja narrativa é desenvolvida ao longo de uma campanha que se estende por várias sessões, e que tem estrutura "um contra muitos", onde um jogador controla os monstros e os outros controlam heróis que devem, juntos, derrotar os monstros. Hoje esse é um tipo de jogo de tabuleiro que não me atrai muito. Raramente compro jogos temáticos da escola americana, os ditos "Ameritrashes". Eu até gosto deste tipo de jogo, mas prefiro jogá-los no computador. Lá não preciso controlar um monte de variáveis como: efeitos de magia, bônus, atributos, condições, ou ficar medindo linha de visão toda hora. O computador é bem melhor em controlar tudo isso e deixar só a melhor parte da experiência para nós! Minha preferência hoje é pelos "Euros", jogos da escola européia, com menos conflito direto, grande foco nas mecânicas e menos foco em narrativa. Isso não quer dizer que não aprecie um tema bem implementado, muito pelo contrário! Também não sou muito fã de jogos totalmente abstratos.
Outro tipo de jogo que me atraiu muito no início do hobby foi o cooperativo. Sempre fui fascinado por experiências cooperativas nos vídeo games, e quando soube que também existiam cooperativos de tabuleiro, comprei uma penca. Hoje, embora eu não desgoste, eles não me atraem mais como antes. Muitos são suscetíveis ao problema do jogador alfa, que afeta negativamente a experiência. Enquanto este tipo de jogo reduz a barreira de entrada para novos jogadores, ao mesmo tempo permite que jogadores mais introvertidos praticamente não participem, deixando as decisões a cargo dos outros. Este não é bem o tipo de interação que eu espero quando sento pra jogar um jogo de tabuleiro. Se alguém na mesa não estiver se divertindo ou não estiver participando, isso afeta a minha experiência também.
Este auto conhecimento das motivações para jogar é importante. Quando você consegue preciosas horas de lazer para jogar um jogo de tabuleiro, é bom que sejam proveitosas. Quanto mais você conhece seu perfil motivacional e o de seus amigos, maior é a chance de sucesso. Além disso, o hobby dos jogos de tabuleiro é caro, e se você é o membro do grupo que faz a maioria das aquisições, é bom acertar nas compras. Ampliando um pouco a escala, se você conhece o perfil motivacional de milhares de jogadores poderá ajudar a indústria de jogos a entender e, consequentemente, atender melhor seu público alvo. Foi com esse objetivo que Nick Yee e Nicolas Ducheneaut fundaram a Quantic Foundry, empresa de marketing especializada na motivação de jogadores.
Traçando o perfil de mais de 400.000 jogadores, a empresa desenvolveu um modelo empírico composto por 12 motivações. Qualquer um pode acessar o site da empresa, responder a um questionário de 5 minutos e receber o seu próprio perfil motivacional, onde a pontuação em cada uma das categorias é um percentual relativo a todos os demais jogadores que também traçaram seu perfil previamente. Existe um questionário específico para jogos de tabuleiro e outro para vídeo games, baseados em modelos motivacionais especializados.
O meu perfil para jogos de tabuleiro ficou assustadoramente correto! Vou passar por ele aqui brevemente, comentando cada pontuação.
Pouco conflito, estratégico e independente
Este título resume o meu perfil motivacional, de acordo com a Quantic Foundry. O modelo motivacional para jogos de tabuleiro é definido por 4 motivações principais e outras secundárias. De maneira geral, se você consegue uma pontuação alta em uma motivação principal, provavelmente irá pontuar alto também nas secundárias do mesmo grupo. Então vamos a elas:
Conflito (7%)
Não curto jogos com muitas ações hostis contra outros jogadores. Pequenas doses não me incomodam, mas evito jogos onde, para vencer, é preciso atacar diretamente o oponente, roubar seus recursos, destruir suas construções, etc. Nos vídeo games é diferente, topo muito mais conflito direto. Mesmo assim me forço a jogar jogos com muito conflito, de tempos em tempos, para ver se mudo essa característica.
Motivação Secundária: Manipulação Social (5%)
Sou péssimo em jogos com muita negociação aberta, blefe ou traição. Admiro jogadores com esse tipo de skill, mas evito jogos que dependem fortemente disso pois as minhas chances de ganhar são reduzidas. Sou daqueles que não enganam ninguém no Sheriff of Nottingham ou Shadows over Camelot.
Estratégia (87%)
Meu gênero favorito de jogo, tanto nos tabuleiros quanto nos vídeo games, é estratégia. A vitória que vem com o sucesso de uma estratégia bem planejada e executada é mais gratificante para mim do que a vitória em jogos onde o fator sorte é alto ou onde estratégias e táticas desempenham um papel menor. Gosto de jogos complexos desde que as mecânicas estejam em sinergia com o tema, complexidade gratuita também não dá. Não tem problema se o jogo for demorado, para mim o tempo sempre passa voando nas partidas de um bom euro médio/pesado.
Motivação Secundária: Descoberta (84%)
Esta motivação está ligada diretamente ao nível de envolvimento com o hobby. Fico sempre antenado aos lançamentos, acesso sites especializados, podcasts, canais de youtube pra me informar sobre tudo, busco entender o processo de design de jogos e estou constantemente querendo jogar jogos novos. Ter desenvolvido esse site já diz bastante sobre minha alta pontuação nesta motivação.
Motivação Secundária: Necessidade de vencer (13%)
Em minha opinião a experiência da partida tem um peso muito maior do que a vitória. Não me entendam mal, quando jogo um jogo de estratégia, jogo pra vencer, mas partidas excelentes nem sempre terminam em vitória e, nem por isso, deixam de ser excelentes. Nesta motivação parece que estou na contramão da maioria dos jogadores estrategistas.
Imersão (58%)
Não gosto muito de jogos puramente abstratos. Prefiro que haja algum tema no jogo, mesmo que mínimo, e que as mecânicas implementem bem esse tema. O jogo não precisa ter enredo rico, com locações ou personagens detalhados, basta que haja um tema. A pontuação de 58% me parece certíssima considerando o peso que atribuo a esse quesito.
Motivação Secundária: Estética (92%)
Quem não gosta de um jogo com alto valor de produção? Arte exuberante, componentes de boa qualidade... Eu diria que a arte não é capaz de salvar um jogo ruim, mas torna a experiência de qualquer jogo melhor. Ainda assim acho que a pontuação de 92% no meu caso está um pouco alta. Não sou de comprar edições de luxo de jogos, não sou fanático por miniaturas e também não faço "upgrade" dos meus jogos com acessórios extras como: peças de madeira, moedas de metal, miniaturas pintadas, etc.
Diversão social (4%)
Não esperava uma pontuação tão baixa nesta motivação, mas é certo que prefiro jogos mais "sérios" e estratégicos do que jogos de festa (party games). Tenho poucos jogos de festa na coleção, mas sei apreciá-los no momento certo e em pequenas doses. Jogos como Dixit, Deception Murder in Hong Kong, Codinomes e Celestia fazem sucesso no TZO e alguns deles já viram muito mais mesa do que Euros do meu top 10. O que também contribui para a pontuação nesta motivação são as interações sociais durante os jogos. Adoro a conversa à mesa durante as partidas, as piadas, as histórias que surgem, mas não gosto de jogos que te forçam a fazer gracinhas como: mímicas, imitações e "micos" em geral.
Motivação Secundária: Cooperação (20%)
Como disse anteriormente, jogos cooperativos não me atraem tanto quanto faziam no início do hobby. Prefiro os jogos de times, como Codinomes e A Study in Emerald, onde há cooperação e também competição.
Motivação Secundária: Acaso (57%)
Elementos aleatórios ou de pura sorte tem seu papel em qualquer bom jogo de tabuleiro, o importante é a dosagem. Nenhum jogo de estratégia deve ser fortemente regido pela sorte, mas é interessante quando uma pitada de aleatoriedade torna os resultados menos determinísticos. Eu particularmente adoro dados, principalmente em jogos de estratégia onde eles são alocados como trabalhadores. As decisões táticas que resultam da implementação deste tipo de mecânica são muito interessantes.
Motivação Secundária: Acessibilidade (24%)
Jogos acessíveis são aqueles que qualquer pessoa pode jogar. Isso geralmente é sinônimo de jogos mais simples, com poucas regras e, portanto, fáceis de explicar. É natural que esta motivação tenha um grau de correlação negativa com a motivação Estratégia, e como pontuei alto em Estratégia, pontuarei baixo em Acessibilidade. Aprecio jogos que são acessíveis e que ainda assim trazem elementos estratégicos o suficiente para entreter os mais exigentes. Os jogos dos designers Bruno Cathala e Antoine Bauza costumam ter esta característica.
E este é o meu perfil motivacional representado na forma de um gráfico:
Achei fascinante o trabalho feito pela Quantic Foundry, e acho que vale a pena prestigiar. Tire 5 minutos do seu tempo para traçar o seu perfil motivacional de jogador de tabuleiro clicando neste link, ou de jogador de vídeo game clicando neste link. Se desejar se aprofundar mais no trabalho da empresa, há vídeos no site explicando os modelos em detalhes e revelando insights muito interessantes obtidos a partir da análise dos dados coletados.